O número total de atropelamentos registrados em Salvador aumentou 8,4% entre 2021 e 2022, passando de 453 para 491. O crescimento ficou concentrado nas ocorrências não fatais, havendo uma queda na quantidade de casos com óbitos: de 44 para 40. Os dados da Transalvador apontam ainda que, entre janeiro e julho deste ano, a capital baiana teve 267 atropelamentos, revelando cenário de estabilidade em relação ao mesmo período de 2022.
Ainda fora dessas estatísticas, a aposentada Ana Lúcia Nunes, 65 anos, foi atropelada por uma motocicleta no dia 30 de agosto, enquanto atravessava a faixa de pedestres em frente ao Colégio Nossa Senhora da Conceição, em Brotas. Ela tinha acabado de deixar o neto de 8 anos na escola - onde o menino teria aula de futsal - e atravessou após os carros pararem, em ambos os sentidos da via. Quando estava quase na calçada, foi atingida pela moto.
Segundo relatado, o motociclista ultrapassou o ônibus pela direita, uma infração prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e classificada com nível médio de gravidade. Já “deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado” na faixa de pedestre é infração gravíssima, o que também vale para áreas de semáforo quando ocorre a mudança de vermelho para verde e os veículos avançam antes das pessoas finalizarem a travessia.
A idosa levou cinco pontos na cabeça, teve fissura no punho e sofreu fraturas na tíbia e fíbula - os dois ossos da perna localizados abaixo do joelho -, o que exigiu a realização de cirurgia. Atualmente, ela se recupera em casa, com orientação médica para não colocar o pé esquerdo no chão por quatro meses, e a necessidade de pelo menos seis meses de fisioterapia para reabilitação.
Pandemia
Para o superintendente da Transalvador, Décio Martins, o aumento no número de atropelamentos entre 2021 e 2022 tem relação com a menor circulação de pessoas em 2020 e 2021, em decorrência das restrições adotadas para evitar a disseminação da covid-19. Dessa forma, as estatísticas não corresponderiam ao perfil de movimentação habitual na capital, e o crescimento no ano passado seria reflexo da retomada das atividades.
As estatísticas anteriores às primeiras medidas de distanciamento aplicadas na cidade, em março de 2020, são coerentes com a avaliação do gestor. Em 2018, Salvador registrou 782 atropelamentos, 51 deles fatais, e houve um aumento em 2019, com um total de 846 ocorrências, 63 delas resultando em morte.
Martins ressalta que um fator importante nos atropelamentos é a velocidade do veículo que colide com o pedestre, ou ciclista. “A velocidade é o principal causador de acidente de direção de autos, e também a utilização de aparelho celular, seja pelo motorista ou pelo pedestre quando atravessa a via”, comenta.
“Desde 2019, nós já readequamos a velocidade de 14 vias da cidade e nós tivemos alguns casos de muito sucesso”, afirma o superintendente, explicando que a avaliação considera a ocorrência de acidentes de trânsito em geral. Atualmente, as cinco vias com mais registros de atropelamento em Salvador são as avenidas Afrânio Peixoto (Suburbana), ACM, Octávio Mangabeira (orla), Vasco da Gama e Aliomar Baleeiro.
Impactos
Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Antônio Meira Júnior, diz que há cerca de 90% de chance de sobrevivência da vítima de atropelamento se o veículo estiver a 30 km/h, mas a possibilidade cai para menos de 50% se a velocidade for 45/km, enquanto a fatalidade é quase certa se o impacto acontecer a 80 km/h.
“Quanto maior a velocidade menor o campo visual do motorista. O motorista tem mais chance de ver o pedestre se ele estiver em uma velocidade menor”, acrescenta Meira Jr, reforçando o perfil multifatorial dos acidentes. Ele ressalta que na maioria das situações há o envolvimento do fator humano, então a projeção das vias precisa considerar a possibilidade de erro das pessoas.
Após o caso envolvendo o ator Kayky Brito - ocorrido na madrugada do dia 2 deste mês no Rio de Janeiro -, o prefeito do município, Eduardo Paes, anunciou a revisão da velocidade das vias. Atropelado na orla da Barra da Tijuca, em trecho cuja velocidade máxima é de 70 km/h, Kayky sofreu traumatismo craniano e múltiplas fraturas pelo corpo.
Imagens de câmeras de segurança do local captaram o momento do sinistro de trânsito, termo que vem sendo usado em substituição a acidente para destacar o caráter evitável dessas ocorrências. O ator parece atravessar a via sem observar o fluxo de veículos, em local sem faixa de pedestre. Conforme verificado em exame, o motorista não havia ingerido bebida alcóolica, e as informações levantadas até o momento indicam que estava dentro do limite de velocidade.
Condutores devem observar ambos os lados da via para verificar se há pedestres| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE
O comportamento de condutores de veículos motorizados, mas também ciclistas e pedestres, no trânsito é alvo de uma ação de conscientização do Detran (Departamento Estadual de Trânsito), iniciada na semana passada. Uma escultura colocada na Paralela chama a atenção para o tema: “Não seja um monstro no trânsito, escolha a vida”.
Sobre atropelamentos especificamente, o diretor geral do Detran, Rodrigo Pimentel, alerta os condutores a observarem ambos os lados da via para verificar se há pedestres na intenção de atravessar, especialmente em áreas com grande circulação de pessoas. Ao pedestre, ele recomenda priorizar a travessia na faixa de pedestre, em semáforos e passarelas, e quando nenhum desses meios estiver disponível, recomenda “redobrar a atenção e olhar para todos os lados”.
Atropelamento deve se tornar inquérito policial
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Trânsito e da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil da Bahia (OAB-BA), Danilo Costa explica que todo atropelamento registrado pelos órgãos de trânsito deve resultar automaticamente em inquérito policial [confira vídeo abaixo]. A caracterização desse sinistro como crime de trânsito ou não, vai depender das informações levantadas durante a investigação.
No Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o atropelamento está contemplado no artigo 303, referente a “praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor”, com previsão de penas de detenção por período de seis meses a dois anos, e suspensão da carteira de habilitação. Se a vítima morrer, a tipificação muda para “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor” (artigo 302).
O uso de bebida alcóolica e/ou outras substâncias psicoativas, o atropelamento sobre faixa de pedestre ou calçada, a omissão de socorro e a ocorrência durante exercício da profissão ou atividade profissional são alguns agravantes previstos no CTB, aplicáveis tanto aos casos de lesão quanto de homicídio. O termo “culposo”, esclarece o advogado, indica que o autor não teve intenção de lesionar ou matar, mas assumiu esse risco durante a condução do veículo.
“É feito todo um conjunto probatório, reunindo o máximo de elementos que consigam chegar realmente à autoria, identificar de quem foi a culpa. Até porque, em alguns casos de atropelamento a gente tem a culpa do próprio pedestre”, comenta Costa. No caso do ator Kayky Brito, por exemplo, a polícia está reunindo vídeos e depoimentos diversos, desde o motorista ao amigo que acompanhava o autor no quiosque.
Sobre a sensação de impunidade mediante crimes de trânsito, o advogado acredita ser motivada especialmente pela lentidão na tramitação dos processos na Justiça. Em sua avaliação, falta eficiência no tempo de conclusão e também na aplicação de penas ou medidas de caráter pedagógico voltados para alterar o comportamento daquela pessoa no trânsito.