
A empresa multinacional Cargill Agrícola S.A foi condenada pela Justiça do Trabalho por ter trabalho análogo a escravidão e trabalho infantil na sua cadeia de produção de cacau em cidades da Bahia. A multa por comprar matéria prima de produtores que exploram os trabalhadores foi de R$600 mil reais, além de ter que adotar medidas a longo prazo. O caso serve de alerta para que as empresas não adquirirem matérias primas vindas de produções exploratórias.
A empresa é do ramo de alimentos e produtos agrícolas e faz compra, processamento e distribuição de grãos e outras commodities para fabricantes de produtos alimentícios. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Cargill compra direta e indiretamente matéria prima para produção de chocolate e manteiga de cacau de produtores que foram flagrados com trabalho análogo a escravidão e também trabalho infantil. A condenação foi em primeira instância.
“Já é uma construção que vem de algum tempo de responsabilização de cadeias produtivas, não há mais a necessidade de você ter um vínculo direto. Basta que na cadeia produtiva você feche os olhos para essas relações e não tome nenhuma providência. Então quem está tirando o lucro de uma atividade, tem obrigação de ver para que nenhuma etapa dessa atividade tenha a violação de direitos humanos”, afirma a procuradora que assina a ação pelo MPT, Margaret Matos.
A multa chega aos R$600 mil por dano moral coletivo, mas segundo Margaret, os procuradores vão recorrer do valor. “Está bem aquém do que foi pleiteado e diante da gravidade dos direitos violados e das lesões, a gente entende que tem que ser um valor maior”, conta.
Além disso, a decisão estabeleceu que a empresa terá de tomar algumas medidas, como adoção de estratégias para evitar e prevenir a ocorrência desse tipo de violação. Junto a isso, elaborar e adotar um programa permanente de gerenciamento de risco para os direitos humanos na cadeia produtiva.
“A empresa deve fazer um programa efetivo de compliance, que é um monitoramento, ter visitas periódicas nas propriedades agrícolas onde esse trabalho é realizado, ter muita clareza e muita transparência nesse processo e informar todos os fornecedores que se eles fecharam os olhos para essa situação, eles não vão mais adquirir o produto deles. E responsabilizar de alguma forma esses atravessadores, que vão lá na propriedade agrícola e compram a amêndoa de cacau e entregam ao depósito”, enfatiza.
Alerta total
Na Bahia, os municípios não foram divulgados, embora a procuradora afirme que a região com maior produção de cacau do estado é o litoral sul. O caso serve de alerta não só para a Cargill, mas também a outras empresas. Segundo a Margarete Matos, a responsabilização de empresas na cadeia produtiva é uma discussão que ocorre há um tempo, sobretudo após a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovar em 2011 os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.
“Essa ação é a primeira na justiça do trabalho no Brasil todo em que há a condenação de uma empresa por exploração do trabalho infantil na cadeia produtiva. A gente tem assim: explorou o trabalho infantil de forma direta, vai lá na propriedade, vê o trabalho infantil, responsabiliza o produtor. Vai na empresa, se tem criança trabalhando, responsabiliza a empresa. Nesse caso, o trabalho da criança não era direto para a empresa, era lá na propriedade, mas ela se beneficiou desse trabalho”, pontua Margaret.
Resposta
Em nota, a Cargill afirma não poder comentar detalhes devido ao caso tramitar em segredo de justiça decidido pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) de 2022. A empresa também diz não tolerar tráfico humano, trabalho forçado ou infantil em suas operações ou cadeia, apoiando assim os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU.
“No Brasil, todos os fornecedores são verificados em relação às listas de embargo do governo e, se forem identificadas violações, tomamos medidas imediatas para suspender o fornecedor”, diz a nota.
A nota também fala do programa Cargill Cocoa Promise, que inclui as regiões de originação e será o meio pelo qual a empresa atingirá a meta do objetivo 8 da ONU, que visa promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente. “A Cargill também é signatária da iniciativa multisetorial “Cocoa Action”, uma ação pré-competitiva que alinha diferentes atores da cadeia para catalisar esforços e endereçar problemas prioritários para a sustentabilidade do cacau”, declara.