
Moradores do assentamento Nova Esperança, em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, estão passando por momentos delicados. Isso porque uma mulher identificada como Onélia da Silva Rocha está reivindicando o terreno onde hoje vivem cerca de 200 pessoas.
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De acordo com a sentença proferida em agosto de 2023, à qual o Portal Massa! teve acesso, Onélia afirma ser herdeira das terras deixadas por seu pai antes de sua morte, em 1999. Segundo ela, a ocupação das famílias não se justifica, pois o espaço seria destinado a "fins de comercialização".
O juiz do caso entendeu que a posse é direito da herdeira e determinou a desocupação do imóvel, de forma voluntária, em até 48 horas, o que não ocorreu.
Uma das lideranças do assentamento, Diego de Jesus Santos, afirma que as famílias vivem no local há mais de 13 anos. No entanto, no mês passado, elas receberam uma ordem de despejo. O problema é que essa decisão judicial não foi publicada no Diário Oficial, o que gerou suspeitas entre os moradores de que a determinação poderia ter sido influenciada por pessoas ligadas à Prefeitura de Vera Cruz.

Diego também alega que o terreno foi abandonado pelos antigos donos há mais de 20 anos, sem qualquer utilização econômica ou social. Segundo ele, o assentamento foi responsável por revitalizar a área e dar vida ao local.
Além da disputa pela terra, os moradores enfrentam outro problema: há mais de quatro anos solicitam a extensão da rede elétrica na região, mas a demanda ainda não foi atendida. A situação piorou, já que o assentamento está sem iluminação há mais de 10 dias, prejudicando principalmente idosos, crianças e pessoas com deficiência.
Lá na localidade tem mais de 200 famílias, mais de 200 casas. É um povoado já bastante grande, tem gente com deficiência, idosos, crianças. Está todo mundo sem energia, tá ficando bem difícil esses dias. A gente já tem um protocolo da extensão de rede, já foi pago, mas pararam de colocar as fiações porque o meio ambiente não liberou. Tem uns protocolos pendentes, então ainda não temos a energia legalizada, mas estamos correndo atrás disso há quatro anos. Agora, estamos sem energia há dez dias e buscamos as autoridades para resolver essa situação
Diego de Jesus Santo, liderança do assentamento Nova Esperança
Diante das dificuldades, os moradores estão organizando uma manifestação para chamar a atenção das autoridades e pressionar por soluções.
O que diz a Neoenergia Coelba
Em contato com o Massa!, a Neoenergia Coelba informou que a extensão da rede de energia elétrica não pôde ser realizada porque o assentamento está localizado em uma Área de Preservação Permanente (APP). Segundo a distribuidora, um projeto para a execução do serviço já foi elaborado e agora aguarda o aval das instituições responsáveis.
Leia a nota, na íntegra:
A Neoenergia Coelba esclarece que a obra de extensão de rede para atender o assentamento Nova Esperança, em Vera Cruz, não pôde ser executada porque a comunidade está localizada em uma Área de Preservação Permanente, o que impede legalmente a realização da ligação. A distribuidora já elaborou o projeto para a execução do serviço e informou o impeditivo aos órgãos responsáveis pela solicitação. A Neoenergia Coelba aguarda o parecer da instituição para dar continuidade à obra e se mantém à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
O que diz advogado sobre o caso
O professor e mestre em direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Henrique Quintanilha, afirmou em conversa com o Portal Massa! que o juiz acertou ao conceder o direito de posse para a herdeira, mas destacou que ocorreram alguns erros jurídicos na condução do processo.
Segundo Henrique, os moradores do assentamento ainda têm boas chances de vencer o processo caso recorram no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA).
“Analisei a sentença do caso do Assentamento Nova Esperança, e é possível perceber erros jurídicos na condução do processo, que levaram o juiz a concluir que houve certa confusão entre a possível legitimidade dessa comunidade no plano da realidade dos fatos — que é de onde surge o poder de usucapir — e fatos isolados envolvendo a criação recente de uma associação no local (em 2021), além do uso comercial na tentativa de lotear partes do terreno para revender”, afirmou Quintanilha.
“A posse pode ser adquirida por meio de um justo título (documentação), como é o caso da autora da ação, que é herdeira, ou por uma causa jurídica, como a usucapião. A usucapião é um instituto antigo do Direito Civil, reconhecido desde o Império Romano, e que vem do latim 'tomar pelo uso'. O Direito Brasileiro admite a usucapião em algumas hipóteses, como a usucapião coletiva, para terrenos urbanos, e a usucapião constitucional, garantida às posses rurais estabelecidas ao longo do tempo. Em ambos os casos, é necessário um período de 5 anos. O caso é bastante complexo e cheio de detalhes técnicos. A sentença é bem fundamentada, mas vejo grandes chances de a coletividade do assentamento, ou seja, as pessoas que efetivamente residem lá, obterem uma vitória se apresentarem um recurso adequado e bem formulado no Tribunal de Justiça”, garantiu o advogado.