Tradição cristã que tem suas origens ainda na Idade Média, a Queima de Judas - ou Malhação de Judas -, acontece em todo Sábado de Aleluia e é uma daquelas tradições que quem participa ou já participou, sempre tem boas e vívidas lembranças. O evento tem perdido sua força, principalmente no que diz respeito ao que acontece além da queima, como as brincadeiras direcionadas às crianças, mas tem voltado com vontade nesse 2023 pós-pandemia, junto a vontade daqueles que lutam para manter essa tradição viva.
Uma dessas pessoas é o aposentado Fernando Dias da Encarnação Filho, 66 anos, que sob o legado do famoso Florentino Fogueteiro - que faleceu em maio de 2006, aos 86 anos -, aprendeu a fazer o boneco do Judas aos 10 anos, assistindo Florentino em seu ofício e insistindo para que o mestre o ensinasse. “Ele não gostava de ensinar, não tinha paciência, mas depois de muito ver ele fazendo, disse a ele que sabia montar uma das partes com fogos do boneco, ele duvidou e eu insisti. Quando terminei e ele viu que ficou bom, deixou que eu aprendesse mais”.
Durante a pandemia, principalmente em 2020 e em 2021, ele conta que não vendeu boneco algum, mas não por falta de pedidos. “Tinham aqueles que queriam fazer a festa mesmo na situação em que estávamos, mas a gente se recusava. A Queima de Judas reúne muita gente, se a gente vendesse estaríamos incentivando que as pessoas se aglomerassem, né? Só voltamos a vender em 2022, mas foi bem pouco”, lembra Fernando, que tem como sócio o administrador Jean Neiva, 42 anos, outro dos discípulos de Florentino.
Jean conta que o esperado este ano é vender cerca de 450 bonecos ou mais. Durante a entrevista, ele precisou diversas vezes atender pessoas que chegavam para buscar seus Judas encomendados. Esse número, no entanto, está bem longe de se equiparar aos anos antes da pandemia.
Em 2019 e antes disso, vendíamos em média mil Judas. A tradição vem sendo esquecida tanto pelas pessoas em si, quanto pelas prefeituras baianas
Custo
Hoje, cada boneco custa em média R$ 350, mas era bem mais caro, lembra Fernando. “Na época de Florentino, um boneco chegava perto do valor do salário mínimo da época e as pessoas compravam, a tradição ainda estava bem viva”. E se engana quem acha que o boneco de aparência simples é fácil de ser feito. Há toda uma engenharia e mecânica por trás do Judas que gira, pega fogo e diverte quem assiste.
“É preciso cuidado e atenção na hora de construir o Judas, o material certo para o corpo e a cabeça, assim como tecido leve para as roupas. É preciso saber a quantidade certa de fogos, assim como o tamanho certo da espada que faz ele girar. Uma bomba mais forte em uma rua mais estreita, e a explosão pode quebrar as janelas de vidro das casas”, explica Fernando.
Há ainda outra coisa a ser contada sobre a tradição: muitos têm características e até faixas que fazem a alusão a um político ou figura pública que tenha se tornado um desafeto daquela comunidade - ou até do país -, mas esses detalhes não são feitos por quem constrói os bonecos. Pelo menos não os construídos pela equipe de Fernando e Jean. “Pense comigo, se hoje eu faço um boneco com a cara de fulano, esse fulano que poderia vir a ser meu cliente no futuro. Vai encrencar com quem? Comigo”, explica Fernando.
Eles então entregam o boneco de calça e camisa comprida de tecidos leves apenas. “Nós até indicamos qual o melhor material usar e onde encontrar, mas só. O mais pedido esse ano, por exemplo, tem sido o Rei do Pix, por causa do caso recente de roubo. É uma tradição que tem esse lado político sim, mas que continua divertindo muito”, afirma Jean.