Após perder R$ 500 em apostas esportivas, André Santana (nome fictício) decidiu apostar mais R$ 500 para recuperar o valor perdido. O prejuízo total foi de R$ 1.000. Com as plataformas digitais de apostas, como as “bets” e o “tigrinho”, relatos como esse têm se tornado cada vez mais comuns na rotina dos brasileiros. Agentes da área da psicologia e do direito apontam os riscos que a prática causa tanto para a saúde mental quanto para o bem-estar do bolso.
Com o costume de apostar diariamente em esportes, como basquete e tênis, é principalmente com o futebol brasileiro e europeu que André arrisca seu dinheiro. Mesmo já tendo ganho R$ 900 jogando, a sensação é que costuma perder mais do que lucrar. “Então, tem épocas que eu perco mais do que eu ganho. Eu não costumo ficar vendo muito isso não. Se olhar a fundo, acho que perdi mais do que ganhei. Perder os R$ 1.000 me fez repensar muito sobre apostas. Quando você perde, você quer recuperar e é nesse momento que você se dá mal. Já tive descontroles emocionais nesse momento e foi quando mais perdi”, conta.
Quando esses jogos alcançam a categoria de vício, eles passam a estimular a mesma área do cérebro estimulada pelas drogas, como maconha e cocaína, de acordo com Ueliton Pereira, psicólogo e diretor técnico da Holiste Psiquiatria. “Essa busca pela sensação de ser recompensado faz com que a pessoa fique com a compulsão de continuar jogando. Quando entra nesse nível de dependência do jogo a gente chama de ‘pessoas viciadas’, que necessitam daquilo para viver, pra trabalhar, para qualquer outra coisa”.
André afirma que não é seu caso, mas que já pensou sobre o assunto. “Não me considero viciado não, mas já repensei muito sobre isso. Uma vez coloquei um limite de R$ 100 de quanto podia depositar na casa de apostas e no dia seguinte quis apostar, tentei mudar essa opção e eles não deixaram. Tem que passar uns 15 dias pra poder alterar o limite, então fiz um cadastro em outra casa de apostas. Aquilo me preocupou e me fez repensar muita coisa”.
Para o psicólogo é preciso que as pessoas fiquem atentas a que tipo de relação estão mantendo com esses jogos, se é algo que prejudica sua vida financeira e social. “Se está nessa situação tem que procurar ajuda. O recomendado é buscar a psicoterapia, que pode ajudar a perceber a compulsão e necessidade de definir limites com as apostas; grupos terapêuticos de ajuda mútua, em que as pessoas compartilham estratégias para lidar com o vício; e um psiquiatra, porque muitos desenvolvem ansiedade, quadro depressivo devido às perdas financeiras, até ideias suicidas”, indica Ueliton Pereira.
Desafio jurídico
Os aplicativos de aposta ainda são um desafio jurídico e social, como explica o superintendente do Procon Bahia, Tiago Venâncio. “É um mercado novo em que vem surgindo diversos problemas principalmente com relação a vício, então nosso principal desafio é fazer com que o consumidor tenha segurança e equilíbrio. Esses jogos são tratados como entretenimento, brincadeira, mas é algo que pode comprometer a vida financeira de famílias”.
É preciso que as pessoas tenham um maior conhecimento sobre onde estão colocando seu dinheiro, de acordo com Diogo Fernandes, advogado e presidente da comissão de direito digital da OAB-Bahia. “O que as pessoas têm que ficar atentas é que o Tigrinho não é um investimento seguro, controlável, nem nada do tipo. Tem pessoas que encontram um bug e conseguem tirar R$ 50, R$ 100, por dia. Mas essas plataformas não são feitas para você ganhar. Ainda é difícil de fiscalizar, porque essas plataformas estão fora do Brasil”.
O professor de direito do consumidor do Instituto Brasiliense de Direito Público da Escola de Direito de Brasília, Ricardo Morishita, reforça a importância da atuação da legislação contra os jogos de azar. “No mundo inteiro, inclusive no Brasil há uma regulamentação de apostas por dois motivos. O primeiro deles, proteger a poupança popular. Você protege individualmente o patrimônio da pessoa e protege coletivamente o patrimônio do país, que é a poupança popular de toda a sociedade. O segundo é para proteger a saúde e segurança dos consumidores. A técnica digital, eletrônica, cria novos riscos, que precisam ser regulados”.