Apesar de viverem nesta terra antes mesmo que ela fosse conhecida pelos seus colonizadores, os povos indígenas ainda vivem um enorme desafio cultural no Brasil. Essa é uma realidade que assombra inúmeras áreas da vida, e não seria diferente com a educação.
Uma construção ocidental que define o que é a vida em comunidade não permite a presença dos povos originários, que, da aldeia para fora, estão, quase sempre, cercados de preconceitos, curiosidades descabidas, lendas e exotismo.
Os relatos de indígenas que lutaram - e lutam - pela formação acadêmica ou técnica, em geral, apontam para muitos desafios. A enfermeira Maria Lúcia Kiriri contou que escolheu a enfermagem após o exemplo da primeira indígena a se tornar técnica na área. O sonho era grande, mas a luta foi ainda maior.
“Era muito difícil, eu não entendia tanto ódio”, conta Maria, que relatou ter sofrido preconceito no transporte que utilizava para ir da aldeia até o curso, em Ribeira do Pombal. “A gente era esnobado, queriam expulsar a gente do carro [...] meu irmão usava fone de ouvido para não ouvir os xingamentos, mas eu fazia questão de ouvir, eu precisava ouvir pra poder ter certeza que a minha resistência valeu a pena”, contou.
Mesmo absurdos, episódios como esses não são estranhos na vida dessas pessoas. João Kiriri é técnico de saneamento no polo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de Ribeira do Pombal. Ele conta que também viveu situações desagradáveis para chegar até aqui.
“Eu vi que quando comecei a colocar meus conhecimentos em prática, os professores ficaram abismados de ser um indígena inteligente, assim como os colegas”, contou. “Nos deparamos com muitos questionamentos, as pessoas diziam que eu não podia estudar porque não teria oportunidade vivendo na aldeia”, completou João.
Como relatou Maria Lúcia, muitos desistem no meio do caminho por não suportar a pressão do preconceito. Quem escolhe ficar, é na base da resistência, ela garante.
De olho no futuro, mas sem perder as raízes
João e Maria Lúcia são dois exemplos de quem enfrentou o julgamento para conquistar um espaço que é direito de todos. “Na minha infância nunca imaginei que ia andar de bicicleta, que ia pilotar uma moto”, contou João. “Hoje, podemos buscar estudar, se qualificar para atender os requisitos do mercado de trabalho”, completou. O avanço, no entanto, não significa desapegar das raízes. “A gente já não vive como há séculos atrás, quando não ocupávamos esses espaços. É importante avançar e respeitar as nossas bases, de onde veio todo o nosso fortalecimento de cultura, tradição e costumes”, garantiu João. A enfermeira também deixou um recado: “É sobre se apegar aos nossos ancestrais, pedir força e coragem para enfrentar as dificuldades, manter o equilíbrio mental e não deixar que os gestos e olhares façam com que duvide da sua capacidade. Não mostrar fraqueza na frente daqueles que esperam o fracasso, procurar força espiritual da aldeia e nunca jamais desacreditar de si mesmo”, disse.
Realidade em dados
Dados prévios do Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontaram para 46 mil pessoas indígenas inscritas em um curso superior no ano de 2021, cinco vezes mais que o registrado há 10 anos, no último censo. O aumento é significativo, mas o contexto geral ainda é baixo; esse número representa apenas 3,3% dos mais de 1,4 milhão de pessoas indígenas no Brasil.