A experiência de maternar vira a vida de uma mulher de cabeça para baixo. Prioridades, desejos e até os receios passam a estar diretamente atrelados à existência do filho. Nesse novo universo em que a mãe está absorvida pelas tarefas e responsabilidades que esse título carrega, uma coisa costuma ficar esquecida: a mulher que existiu antes da mãe.
O bate-papo com as amigas, o salão do final de semana, a praia do fim de tarde ou a viagem de última hora deixam de fazer parte daquela rotina que, agora, só tem espaço para as atividades que envolvem o filho – mesmo quando já está crescido.
A psicóloga Patrícia Moutinho, que também coordena o curso de psicologia da Estácio, explica os riscos de reduzir a personalidade da pessoa que gesta ao papel de mãe.
“Não é saudável ser apena uma coisa na vida. Quando uma mãe abre mão da sua vida nas mais diferentes áreas para ser apenas mãe, é um prato cheio para o adoecimento porque ela não está se constituindo enquanto um sujeito pleno”, explica Patrícia.
Há um ditado que diz que o filho é o último amor de uma mãe. Para psicóloga, esse é um pensamento perigoso e limitante. “O filho é mais um dos amores que uma mãe pode ter na vida porque ela precisa amar diversas coisas para se reconhecer enquanto ser humano”, defende.
Cláudia Medeiros é uma das mães que escolheram não abrir mão da própria vida mesmo após a maternidade. Aos 61 anos, ela faz tratamento de fisioterapia na Clínica Escola da Estácio e aproveita o momento para pensar apenas nela.
Autônoma, Cláudia tem uma filha de 35 anos e, ao longo de todo esse tempo, aprendeu como era importante ser outras coisas além de mãe. “Filho é pra sempre, mesmo casados, morando longe, a preocupação é sempre a mesma”, ressalta. “Mas isso nunca me impediu de cuidar de mim”, garante.
Para Cláudia, as sessões de fisioterapia que ela já faz há 12 anos são um momento de cuidar de si. “Eu chego aqui de um jeito e saio de outro. Não é só a saúde física, é para a cabeça também, durmo melhor, vivo melhor”, pontua.
Patrícia reforça que essa percepção da mãe enquanto um ser independente da cria, principalmente na terceira idade, é como uma declaração de amor para o filho. “É como se ela validasse que ele pode seguir com a própria vida porque ela vai ficar bem”, ressalta.
Perceber-se mais que mãe
Para Patrícia, é fundamental que as pessoas enxerguem a mãe como um ser desejante. “O sujeito precisa ter os seus desejos, os seus próprios anseios, os seus valores. Eu preciso ser uma boa profissional para ser uma melhor mãe porque os meus conhecimentos e experiências vão refletir na educação do meu filho”, explica.
A psicóloga sugere ainda que as mães reflitam e se questionem sobre quais horizontes ela quer oportunizar para o próprio filho. Através dess questionamento ela vai perceber que as suas experiências também vão impactar na maneira como ela materna.
Cláudia conta que conseguiu identificar o autocuidado como um elemento importante para o seu papel de mãe. “Eu percebi que eu precisava estar bem para cuidar da minha filha e para isso tem que se cuidar. Se você não está bem, não tem como fazer bem para outra pessoa”, disse.
As possibilidades não se esgotam após a maternidade. Os filhos são importantes, mas não são as únicas perspectivas da vida de uma mulher. “Se você tem apenas uma finalidade na sua vida, está correndo o risco de conviver com a falta de outras perspectivas”, diz Patrícia. “Acima de mãe, você é uma pessoa. Acolha seus sentimentos”, finaliza.
Um compromisso de toda a sociedade
O adoecimento do qual se fala está relacionado, principalmente, à saúde mental da mulher. Assim como as mães com dupla jornada sofrem de sobrecarga, aquelas que abdicam de suas outras atividades também podem ser sufocadas pelo papel e mãe.
Como explica Patrícia, é importante que todos que estão em volta daquela mulher possam ajudá-la a identificar esse sofrimento e, assim, buscar maneiras e curá-lo.
“Por vezes, é tamanho o foco no sucesso do filho que a mãe sequer se percebe enquanto um ser adoecido”, alerta a profissional. “É importante que a rede de apoio perceba isso não só para alertá-la, mas para auxiliá-la nesse exercício de recuperação da própria identidade”, defende.