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Artes de rua - 08/12/2023, 06:30 - Artur Soares* - Atualizado em 09/12/2023, 07:21

Do belo ao errado! Grafites e pichações estampam paisagem de Salvador

Cenário urbano da capital baiana é pintado por formas de expressões que divergem

A arte do grafite colore os muros da capital baiana 
com as suas expressões
A arte do grafite colore os muros da capital baiana com as suas expressões |  Foto: Uendel Galter / Ag. A TARDE

Visto com maus olhos por uns e considerado uma forma de arte por outros, os grafites e as pichações (esse último sendo prática criminosa) fazem parte da paisagem urbana de Salvador. Colorindo os muros da capital baiana, é possível encontrar esses dois tipos de pintura por toda a cidade. Ambas surgiram nos Estados Unidos, na década de 1970, mas existe uma grande diferença entre os estilos.

Com múltiplas vertentes diferentes, o grafite é caracterizado pelo uso de cores vibrantes. Letras e caricaturas são apenas algumas das coisas retratadas por seus praticantes. Apesar de ser permitida por lei, essa arte não agrada algumas pessoas. “Por ser uma arte de rua, eles acham que não tem valor. Nem tudo que tem valor precisa tá dentro de uma galeria”, defendeu o baiano Nikol, grafiteiro há 18 anos.

“O grafite salvou minha vida. Significa muito para mim”, pontuou. Nikol conheceu o grafite por meio da pichação. Na adolescência, ele encontrou na prática uma maneira de expressar sua raiva contra a sociedade, porém, logo percebeu que aquele caminho estava trazendo consequências negativas. “Minha mãe teve princípio de infarto uma vez e eu vi que não estava dando mais”, continuou.

Depois disso, ele decidiu migrar para o grafite. “Minha família começou a se tranquilizar mais”, comentou. Com trabalhos em todo o país, Nikol é reconhecido por seu wildstyle, ou estilo selvagem, que é o grafite formado apenas por letras “distorcidas”. Muitos se perguntam qual é o simbolismo por trás dessas letras, mas o verdadeiro significado é mais simples do que parece. “Na maior parte das vezes, está escrito o nome do artista”, explicou.

“O grafite salvou 
 minha vida”, afirma Nikol, que já pratica a arte de rua há 18 anos
“O grafite salvou minha vida”, afirma Nikol, que já pratica a arte de rua há 18 anos | Foto: Uendel Galter / Ag. A TARDE

Nikol alega que existe uma certa hipocrisia da população relacionada ao grafite e que as pessoas precisam “abrir a mente”. “A mesma pessoa que julga, quando vai numa loja compra uma camisa com um grafite”, argumentou. Esse preconceito é motivado pela semelhança entre essa arte com a pichação, que é considerada um crime. Mesmo sendo contra a lei, seus adeptos não parecem ficar intimidados. “Se fosse para a pichação ser liberada, não ia ter graça”, pontuou Pantro, pichador veterano em Salvador.

Pintando a cidade desde 1994, o pichador explica que parte de sua motivação é a emoção. “A gente gosta de viver aventura, viver a adrenalina”, continuou. Além da possibilidade de ser preso, sua rotina nas ruas faz com que constantemente sua vida fique em perigo. “A gente tomava escarreiro direto, tomava tiro”, relembrou.

Diferente do grafite, a pichação é reconhecida por ser monocromática, sendo produzida majoritariamente na cor preta. Também existe uma certa ausência de desenhos, focando principalmente na elaboração de letras. Atualmente respondendo a mais de cinco processos, Pantro não considera aquilo que ele faz como algo errado. “O picho é minha forma de me expressar, de ser contra o sistema”, esclareceu.

Seus alvos variam, indo de muros a prédios abandonados, sempre buscando aquele que vai gerar o maior choque na população. “Eu procuro um muro que venha fazer aquilo ser impactante, tanto para as pessoas que não gostam, quanto para o próprio sistema”, detalhou. Por fim, apesar de estar cometendo um crime, Pantro argumenta que existe uma sensação de “êxtase” ao finalizar cada trabalho. “Quando a gente consegue completar a missão é como se você tivesse ganhado na Mega-Sena”, concluiu.

O pichador Pantro assume o risco da modalidade, que é proibida por lei
O pichador Pantro assume o risco da modalidade, que é proibida por lei | Foto: Uendel Galter / Ag. A TARDE

Perigo pra saúde

Além de ser considerada uma prática criminosa, existem muitos riscos para a saúde daqueles que praticam a pichação. Em locais de difícil acesso, onde é necessário o uso de equipamento de rapel, os pichadores fazem “armengues” para não ter um grande prejuízo financeiro. “A gente desce sem linha de vida ou trava-quedas. Somente com uma corda e confiando em nossa coragem”, descreveu Pantro. Apesar de conseguirem se virar com um equipamento caseiro, nem sempre eles se dão bem. “Às vezes a gente se machuca. Já quebrei o pé, desloquei a clavícula. São ossos do ofício”, continuou.

Além disso, o contato com as tintas pode ser tóxico para quem as manuseia. “Provoca lesões oculares graves, com queimadura, lacrimejamento e dor”, informou Robson Pires, supervisor do Grupo Especial de Proteção Ambiental (Gepa). Robson alerta que, em casos mais graves, as consequências são ainda piores. “Como é uma substância química, o uso inadequado de tinta pode causar anemias e cânceres”, completou.

Crime ambiental

Apesar de ser defendida como uma forma de protesto contra o sistema, a pichação é considerada como crime ambiental e vandalismo de acordo com o artigo 65 da Lei 9.605/98. A pena para quem for pego praticando é de detenção de três meses a um ano. Os simpatizantes com a pichação não concordam com esse rótulo. “Colocar uma tinta na parede? Que crime ambiental é esse?”, questionou Pantro.

Além da degradação visual e possível destruição de certos monumentos históricos da cidade, outro motivo que justifica essa pena é a questão da credibilidade. “Uma placa pichada atrapalha todo o sistema de credibilidade da sinalização”, exemplificou Robson Pires, supervisor do Gepa.

Na região do Elevador Lacerda, na Cidade Baixa, pichações dão tom negativo no monumento
Na região do Elevador Lacerda, na Cidade Baixa, pichações dão tom negativo no monumento | Foto: Uendel Galter / Ag. A TARDE

Preju pra cidade

Segundo dados da Guarda Civil Municipal (GCM), este ano houve uma crescente de 33,3% no número de ocorrências relacionadas à pichação em Salvador.

Para combater esse quadro, a prefeitura promove ações de restauração dos locais alvos de pichação. Segundo informações da Secretaria de Manutenção da Cidade (Seman), em Salvador são retiradas em média 850 m² de pichações mensalmente, causando um prejuízo estimado de R$ 45 mil. É calculado que a prefeitura gaste cerca de R$ 4 milhões por ano para a recuperação de equipamentos vandalizados. “É um dinheiro que poderia estar sendo empregado em novos espaços e equipamentos para a população”, declarou a assessoria de comunicação da Seman.

*Sob a supervisão do editor Jefferson Domingos

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