
A promessa de ganhos rápidos, alimentada por influenciadores e pela mídia, transformou o chamado “jogo do tigrinho” e plataformas similares de apostas online em um fenômeno que se espalhou pelo Brasil. No entanto, por trás das telas chamativas e premiações tentadoras, crescem os relatos de vício, prejuízos financeiros, crises emocionais e danos profundos à vida familiar. Especialistas alertam: a maioria dessas plataformas opera na ilegalidade, colocando jogadores e divulgadores em risco jurídico.
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Segundo o advogado criminalista Antônio Correia, jogos como o “tigrinho” são considerados ilegais quando não seguem as diretrizes do poder público. “O jogo tipo ‘tigrinho’ ou similares, que não estão em conformidade com as diretrizes, ou seja, que não estejam regulamentadas pelo poder público, são considerados ilegais”, afirma.
A Lei 14.790/2023 regulamenta as apostas de quota fixa, tanto presenciais quanto online, e determina que elas só podem funcionar mediante autorização prévia do Ministério da Fazenda. Rifas online também seguem regras rígidas: precisam ser organizadas por uma pessoa jurídica com sede no Brasil, comprovação de experiência no setor e outras exigências técnicas.
Correia alerta ainda para o risco legal de quem divulga essas plataformas, o que pode configurar desde contravenção penal por jogo de azar até crimes como lavagem de dinheiro e associação criminosa, com penas que ultrapassam 10 anos de reclusão. “A divulgação de jogos ilegais pode configurar uma infração penal, a depender do caso concreto”, reforça.
Além disso, ele orienta os usuários a se protegerem verificando a legalidade da plataforma antes de qualquer aposta. “É preciso pesquisar a idoneidade dos operadores, se há autorização oficial, e quais são as regras envolvidas”, conclui.

Lucas Pereira, 27 anos, morador de Salvador, é um exemplo de como a influência das redes sociais e amigos pode levar ao envolvimento com essas plataformas. Ele conta que foi atraído por ver blogueiros e colegas próximos exibindo grandes ganhos. Passou a apostar regularmente, gastando cerca de R$ 50 por semana.
Apesar dos valores aparentemente baixos, as perdas foram significativas. Lucas já chegou a perder todo o salário em uma única madrugada, tentando recuperar o que já havia sido apostado. Em contrapartida, também teve ganhos inesperados de até R$ 10.600, quase sempre a partir de pequenos depósitos.
Hoje, ele diz que controla melhor o impulso. “Não jogo mais compulsivamente. Só arrisco quando sobra algum trocado. Mas mesmo assim, a tristeza bate quando perco. A gente pensa que poderia ter investido aquele dinheiro em algo mais útil.”
O vício em apostas online não afeta apenas os jogadores. Uma leitora do Massa!, que preferiu não se identificar, convive com o pai, de 51 anos, viciado em jogos de azar online. Dono de bar, ele passou a negligenciar o trabalho, não se alimenta direito, desenvolveu hipertensão e vive em constante estado de estresse.
Segundo a filha, ele usa o dinheiro do próprio negócio para apostar, deixando dívidas acumuladas e a reposição de mercadorias comprometida. “Virou uma bola de neve”, conta. A família precisou intervir diversas vezes, inclusive financeiramente.
Com voz de revolta, ela denuncia o descaso das plataformas com o impacto que causam: “Os donos disso deveriam pensar nas consequências. Isso destrói vidas, afeta famílias inteiras. Às vezes, a gente precisa abandonar sonhos para pagar pelos erros dos outros.”
Ela termina com um alerta duro e necessário: “Quantas pessoas já tiraram a própria vida por causa disso? Ou foram mortas nesse ciclo vicioso de perdas e dívidas?”
Por trás de cada clique no “jogo do tigrinho”, há um sistema que movimenta milhões de reais de forma irregular, alimentado por estratégias de influência digital, brechas legais e a fragilidade econômica e emocional de milhares de brasileiros.
Os relatos mostram que, enquanto ganhos pontuais podem criar a ilusão de controle e sucesso, as perdas e os danos à saúde mental são mais frequentes e muitas vezes devastadores.
Entre a euforia da vitória e o desespero da perda, o que fica são famílias endividadas, trabalhadores adoecidos e uma sociedade que ainda precisa discutir, com urgência, os limites entre o entretenimento digital e a destruição silenciosa provocada pelos jogos de azar e rifas online.