
Arqueólogos encontraram restos mortais no estacionamento da Pupileira, em Salvador, onde se estima que seja o maior cemitério de pessoas escravizadas do Brasil, com até 100 mil corpos enterrados. O anúncio foi feito durante entrevista coletiva no auditório do Ministério Público da Bahia (MP-BA), na tarde desta terça-feira (26).
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A coletiva foi feita para atualizar os resultados da primeira etapa de escavações do antigo Cemitério do Campo da Pólvora do Desterro, utilizado no século XVIII para enterrar povos escravizados, onde atualmente funciona o estacionamento da Pupileira.
O trabalho realizado pela empresa Arqueólogos Pesquisa e Consultoria Arqueológica, responsável pelas escavações na área, localizou ossos largos e diversos dentes. De acordo com as pesquisas, os corpos foram enterrados há 190 anos. Além disso, estima-se de que há restos mortais de escravizados que protagonizaram a Revolta dos Malês.
O lugar foi localizado em um encontro de mapas e relatos históricos identificados pela pesquisadora Silvana Olivieri, doutoranda em Urbanismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA). As escavações começaram no dia 14 de maio em um evento marcado por um culto inter-religioso.
De acordo com os arqueólogos Jeanne Dias e Luiz Pacheco, os restos mortais estavam abaixo de três metros de profundidade e havia um aterro acima do cemitério. Também foram encontradas 'contas' - acessório utilizado por religiosos de matriz africana.
Esses materiais, eles vão ser levados, vão ser tratados para que a gente possa capturar novas informações sobre eles
Arqueóloga Jeanne Dias

Os restos mortais foram levados para o laboratório da empresa, que analisará quem eram as pessoas ali enterradas e mais detalhes sobre a história delas. As imagens não foram disponibilizadas para a imprensa.
A autorização para as escavações foi acordada pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, proprietária da Pupileira, o Ministério Público estadual e o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão ligado ao Ministério da Cultura.
Estiveram presentes no evento as promotoras de Justiça Lívia Vaz e Cristina Seixas, a pesquisadora Silvana Olivieri, os arqueólogos Jeanne Dias e Luiz Pacheco, o jurista e pesquisador Samuel Vida e o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Bahia, Hermano Fabrício.
Valor histórico e social
Para além de registro histórico, as pesquisas e seus resultados retomam uma discussão social de negros e indígenas que foram escravizados e jogados em um local sem o devido respeito e dignidade.
"Para além dessa grande importância arqueológica e histórica, se trata de um sítio sagrado para a população negra da Bahia, do Brasil e para todos aqueles que se reconhecem nas pessoas que estão ali sepultadas", afirma Olivieri.
O jurista, professor e pesquisador da UFBA, Samuel Vida, também destacou os avanços que serão realizados, mas pontuou o poder social da iniciativa.
O passado é parte do presente e ele dialoga conosco o tempo inteiro
Samuel Vida
O professor enfatizou o olhar utilizado na busca por respostas para dignificar homens e mulheres que foram jogadas no cemitério sem dignidade. "O primeiro mérito a ser destacado é esse, uma pesquisa que foge ao cânone colonial e que pensa a problemática da investigação considerando outras cosmovisões, outras ontologias, outros modos de vida".
Próximos passos
Ainda não se sabe com exatidão o que será feito a partir dos resultados obtidos com o que foi encontrado nas escavações. Contudo, a promotora Cristina Seixas afirmou que o MP-BA estará à disposição para as próximas ações.
O superintendente do Iphan na Bahia enfatizou que a Santa Casa de Misericórdia deve colaborar com o andamento das buscas.
"É algo que a Santa Casa de Misericórdia devia acolher, como forma, inclusive de reparação social, como forma de devolver a sociedade em serviço sociocultural. Espero muito que nós tenhamos a partir hoje da maturidade que a gente tem de compreender o patrimônio", destacou.
Há outros cemitérios semelhantes?
A arquiteta Olivieri já havia pesquisado e encontrado um cemitério de escravizados indígenas localizado na capital do Pará, Belém. O local foi encontrado também na produção do doutorado da pesquisadora.
No Largo de Santa Rita, no Rio de Janeiro, também é possível encontrar uma herança do período mais cruel da história do Brasil. Os registros indicam que os africanos mortos nos tumbeiros ou ao chegarem eram enterrados em frente à Igreja de Santa Rita entre 1722 e 1769.