Na edição deste ano do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), dois casos de candidatos com diabetes tipo 1 trouxeram à tona a necessidade de adaptações específicas para garantir a inclusão dessas pessoas.
No primeiro dia de provas, realizado neste domingo (3), a estudante Sara Bulhosa, de 15 anos, da cidade de Cachoeira, na Bahia, precisou retirar sua bomba de insulina após orientação dos fiscais de prova. O motivo alegado pela equipe foi que o equipamento, considerado eletrônico, poderia disparar algum alarme durante o exame, o que resultaria na desclassificação de Sara.
Sara precisou retirar o dispositivo para não comprometer sua participação. Sem insulina por mais de cinco horas, a jovem apresentou glicemia superior a 500 e passou mal ao longo da prova.
Outro caso semelhante ocorreu no Rio Grande do Sul, onde um jovem de 17 anos foi eliminado do exame após o alarme de seu sensor de glicemia disparar, mesmo estando sob a guarda do fiscal de sala.
O adolescente, que usa o sensor de glicemia conectado ao celular para monitorar suas taxas de açúcar no sangue, foi penalizado após um único alarme alertar sobre os níveis de glicose.
Segundo Rudnei Noro, pai do candidato, a condição de saúde do filho havia sido informada na inscrição para o Enem. No entanto, o adolescente não teve sua necessidade especial reconhecida, pois a diabetes tipo 1 não estava listada entre as condições elegíveis para atendimento especial, sendo obrigado a realizar a prova em uma sala comum.
Órgãos se manifestam sobre o assunto
Em resposta, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) se manifestou, destacando a falta de conhecimento e sensibilidade diante da situação dos jovens.
“Em pleno Novembro Diabetes Azul, quando a Sociedade Brasileira de Diabetes divulga o que é diabetes, seus sintomas, tratamentos e, principalmente, o lema de bem-estar aos portadores da doença, nos deparamos com uma situação bizarra, que foi a retirada de um jovem com diabetes tipo 1 da sala onde prestava o Enem porque o seu celular tocou o sensor para alertar que sua glicemia não estava adequadamente controlada,” disse o presidente da SBD, dr. Ruy Lyra.
Ainda segundo a SBD, a utilização de celulares em salas de aula é uma restrição válida na maioria dos casos, mas o monitoramento da glicose em pessoas com diabetes tipo 1 é uma exceção fundamental.
Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), organizador do Enem, informou que “os participantes que se sentiram prejudicados por conta de algum erro de aplicação, nesse sentido, podem solicitar a reaplicação do exame e terão o direito de fazer as provas em 10 e 11 de dezembro”.
Questões legais e possíveis ações de ressarcimento
A advogada Larissa Rosado, especialista em direito à saúde e diabética tipo 1, aponta a ausência de uma legislação específica que assegure adaptações para pessoas com diabetes em exames como o Enem.
Segundo Larissa, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) estabelece adaptações para pessoas com deficiência, mas como o diabetes tipo 1 ainda não é reconhecido oficialmente como tal, essas adaptações são negadas.
“Essa falta de reconhecimento impede que as pessoas tenham acesso a adaptações necessárias, como o uso de dispositivos de monitoramento durante provas, maior tempo para realização de prova ou sala especial, por exemplo,” explica a advogada.
A advogada orienta candidatos com diabetes tipo 1 a seguirem os procedimentos exigidos pelo edital para declarar a condição de saúde, acompanhando a documentação médica necessária para solicitar adaptações, como o uso de dispositivos médicos e pausas quando preciso.
"O primeiro passo é informar a condição especial de saúde e apresentar relatório médico atestando a condição especial de realização da prova, para, por exemplo, utilizar os dispositivos médicos, requisitando, assim, adaptações para que possam utilizar seus dispositivos médicos e fazer pausas, se necessário”, disse.
Essa indenização tem como objetivo não apenas compensar o candidato pelos danos emocionais
Advogada Larissa Rosado
Quanto ao caso do aluno desclassificado, Larissa acredita que cabe buscar ressarcimento judicial.
“A eliminação de um candidato diabético no Enem devido à utilização de dispositivo médico que alarmou durante a prova caracteriza, sim, ato indenizável”, pontua. “Essa indenização tem como objetivo não apenas compensar o candidato pelos danos emocionais e prejuízos acadêmicos sofridos, mas também para coibir a repetição da conduta dos responsáveis”, acrescenta.
Para a especialista, além do ressarcimento ao candidato, tal ação tem como objetivo ainda pressionar por mudanças que garantam uma inclusão mais ampla e efetiva para pessoas com diabetes tipo 1.