
Batizado pelos soteropolitanos como a maior festa de rua do planeta, o Carnaval de Salvador é o evento que reúne e atrai pessoas de diferentes locais, gêneros e perfis. Mas será que essa festa de tamanha dimensão está realmente preparada para atender a todos os públicos?
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Para encontrar a resposta, basta analisar com os olhos da empatia e tentar enxergar a deficiência que esse evento ainda possui quando se trata de acessibilidade e inclusão, em especial para crianças e jovens atípicos, a exemplo daqueles que têm Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Apesar das poucas opções de estruturas para abrigar esse público, os profissionais da área de saúde pontuam que é possível, sim, permitir o acesso dessa categoria ao carnaval.
A fisioterapeuta Jamaica Araújo explicou que não existe idade exata para levar a garotada com TEA para se divertir na festa, mas chamou atenção para alguns detalhes. "No entanto, o ideal é que a criança já tenha alguma capacidade de comunicação (verbal ou não verbal) para expressar desconforto e que os pais já conheçam bem suas reações a estímulos intensos. Em geral, a partir dos 3 anos, algumas crianças podem começar a experimentar esse tipo de evento em ambientes controlados", disse.
A especialista também indicou os horários mais apropriados para levá-los ao evento. "O horário ideal é durante o dia, quando a festa tende a ser menos intensa. Evitar os períodos de maior aglomeração e agitação, como à noite, pode ser uma boa estratégia. Festas de carnaval matinais ou ao início da tarde, com menos estímulos sensoriais e uma atmosfera mais tranquila, são preferíveis. Mais uma vez ressaltamos a importância de evitar horários de pico, especialmente entre 14h e 18h, pode ajudar a reduzir a sobrecarga sensorial", aconselhou.

A Prefeitura de Salvador disponibiliza gratuitamente, durante os dias de festa, no circuito do Campo Grande, a Arquibancada Social que oferece 400 vagas que são preenchidas por meio de inscrições. Os pais atípicos que conseguiram pela primeira vez uma oportunidade para levar seus filhos para esse espaço, precisam prepará-los antes do contato dela com o ambiente de folia.
"As atividades de adaptação são fundamentais. Antes de levar a criança ao evento, é importante expô-la gradualmente a sons, luzes e multidões em ambientes controlados. Testar sons de instrumentos de percussão ou músicas carnavalescas em casa ou em ambiente terapêutico pode ajudar a avaliar a reação da criança. A adaptação prévia a esses estímulos facilita a compreensão do ambiente de festa e pode diminuir a sobrecarga sensorial durante o evento", orientou a fisioterapeuta Jamaica.
O limite que a criança ficará na folia também é uma orientação indicada pela especialista. "O tempo máximo varia de criança para criança, mas para evitar sobrecarga sensorial, recomenda-se limitar a duração do evento a 1-2 horas. Manter o tempo curto ajuda a evitar o cansaço extremo e o estresse, além de permitir que a criança aproveite sem ser sobrecarregada. A presença constante dos pais ou responsáveis é fundamental para garantir a segurança emocional da criança".
Quando questionada sobre quais os principais cuidados necessários para evitar que a garotada que possui TEA fique assustada, com trauma ou medo, Jamaica indicou a utilização de equipamentos para reduzir o ruído sonoro e roupas confortáveis. "É essencial criar um ambiente previsível e seguro. Isso pode incluir o uso de fones de ouvido para bloquear ruídos excessivos, roupas confortáveis, e garantir que a criança tenha um local tranquilo para se retirar caso sinta desconforto. Além disso, explique o que ela pode encontrar durante o evento, mantendo uma rotina previsível e sem pressa. É importante também monitorar sinais de estresse e estar pronto para retirar a criança do local se necessário", alertou.
Por fim, a fisioterapeuta completou que sinais como cobrir os ouvidos, agitação excessiva, comportamentos de fuga, irritabilidade ou choro, podem indicar que o ambiente não está sendo agradável para a criança. "A primeira medida é retirar a criança do ambiente, levando-a a um local mais tranquilo e com menos estímulos. Manter a calma e oferecer apoio emocional também é essencial, garantindo que ela se sinta segura".
Sinara Andrade é mãe de Sophia Andrade, 5 anos, que possui TEA. Para ela, espaços destinados a esse público em eventos como o carnaval podem contribuir com o desenvolvimento das crianças. "Não deixa de ser uma atividade lúdica que ajuda a desenvolver habilidades sociais na criança porque é diversão. É um incentivo a ter contato com a cultura e com outras pessoas. Precisamos de mais espaços como a Arquibancada Social, que é uma iniciativa muito legal para quem consegue o assento", opinou Sinara.